Em meio à efervescência cultural e política da Grande BH, surge em Contagem a Casa Viva, um projeto ousado e inovador que busca se constituir como um espaço de articulação e formação política, de organização da luta coletiva e de celebração de todas as vidas, conectando as demandas populares à construção de um projeto alternativo de sociedade no território.
No último dia 09 de março, fizemos o lançamento da Casa Viva. Uma atividade que durou 12 horas, com plenária e debate pela manhã e musica e festa durante tarde e inicio da noite. Ela contou com militantes de todas as gerações: desde fundadores do combatente PT dos anos 1980 da cidade de Contagem, até os chamados representantes da geração Z, sindicalistas, professores, profissionais liberais e ambientalistas em defesa das matas e dos bichos. Cerca de 250 pessoas estiveram nesse dia emocionante, que contou com boas reflexões sobre os desafios em nossa cidade para os próximos tempos, assim como muita festa e descontração.
O lançamento feito um dia após o Dia Internacional das Mulheres também procura solidificar um aspecto simbólico da nossa luta: as mulheres, especialmente as mães solo ou acompanhadas dessa cidade. Segundo um levantamento feito por nossa equipe a partir dos dados do IBGE e de reportagens recentes[1], é possível estimar que existem cerca de 71.125 mães solo na cidade, que se dividem entre o trabalho doméstico, o trabalho extra doméstico e o cuidado de suas crias. Portanto, a Casa Viva é um espaço que visa atender e dialogar com esse sujeito histórico, representado pelas companheiras que estão em situação de extrema proletarização, vulnerabilidade socioeconômica e chefiando suas famílias.
A dura realidade do trabalho doméstico e do cuidado precisam ter um espaço próprio de reflexões para pensarmos a emancipação da mulher dessa condição de superexploração. Como bem lembra Angela Davis (2016), não podemos aceitar que numa sociedade capaz de produzir robôs que produzem textos e inteligência artificial, não tenhamos desenvolvido políticas públicas que libertem as mulheres da sobrecarga física e mental oriunda do cuidado e do trabalho doméstico. Afinal, lugar de mulher e mãe precisa ser no espaço público e também na liderança política.
Precisamos de espaços coletivos que potencializem as mulheres na luta por igualdade de gênero, alavancando-as como lideranças comprometidas com as causas populares de nosso tempo. Portanto, companheiras, esse espaço é de vocês também!
Um espaço plural e diverso
Em tempos de crise e desmonte do Estado, a iniciativa se torna ainda mais necessária. A Casa Viva surge como um instrumento de organização e mobilização popular, buscando fortalecer o trabalho de base e a formação de militância. Dialogando com as ideias de Ranulfo Peloso (2012), a Casa Viva se coloca como um catalisador de processos emancipatórios, construindo pontes entre a teoria e a prática, o saber e o fazer.
A Casa Viva se abre como um espaço de convergência para diferentes setores da sociedade civil, desde movimentos sociais e sindicatos até artistas, estudantes e intelectuais. Através de debates, cursos, oficinas e eventos culturais, a Casa Viva busca promover o diálogo e a reflexão crítica sobre os desafios do presente.
A Casa Viva é um espaço que entende que todas as vidas têm valor. Que a natureza, os bichos e seres humanos são sujeitos de direito e agentes da mudança que precisamos promover rumo ao bem viver. Ela é um espaço que busca promover princípios e valores de solidariedade e justiça social considerando as vidas humanas e não humanas. Nesse sentido, todos os sujeitos tem vez, voz e lugar de centralidade no projeto da Casa Viva.
É também um espaço da luta coletiva. Em tempos de neoliberalismo e sociedades do desempenho, da produtividade individual e do cansaço, como nos alerta Byung Chul-Han (2015), é preciso retomar os ambientes de reflexão e organização coletiva para além das escolas e universidades. As pessoas precisam se encontrar para festejar as suas ideias, buscando compartilhá-las com outros companheiros da luta e, com isso, arquitetar uma sociedade que esteja de acordo com nossas práticas, valores e princípios.
Formação para a transformação
Ness sentido, a formação política é um dos pilares da Casa Viva. A construção de quadros políticos comprometidos com a transformação social é fundamental para o avanço de um projeto popular. Através de cursos, seminários e debates, a Casa Viva busca oferecer ferramentas para a análise da realidade, a construção de estratégias de luta e o desenvolvimento de uma práxis política transformadora.
É preciso fazer com que a política transformadora crie laços com o cotidiano das maiorias populares. Refletir sobre a realidade dura, precária e sobre os impactos da subjetividade neoliberal na vida de quem vive do trabalho é fundamental pra criarmos estratégias de luta coletiva. Essa é também uma tarefa para a Casa Viva: refletir sobre os conceitos de riqueza e prosperidade tão disseminados em nossa sociedade a partir de uma perspectiva nefasta porque pautada numa lógica neoliberal e individualista.
A produção da riqueza e a possibilidade de ascensão das classes populares a melhores condições de consumo e de qualidade de vida são desejáveis. Entretanto, se não propormos uma prosperidade coletiva alcançável, faremos com que os nossos recursos naturais sejam brutalmente esgotados em um curto espaço de tempo. Qual riqueza queremos produzir? Quais são as consequências da produção desta riqueza? O que define a prosperidade? Ela precisa ser uma categoria vinculada à lógica individualista? Ou podemos propor uma prosperidade coletiva, em que tudo de bom possa estar disponível para o nosso povo a partir de esforços e projetos coletivamente alcançáveis?
Não à toa, a Casa Viva tem esse nome: termo atribuído ao nosso planeta, esse lar vivo que considera todo tipo de vida como parte integrante da natureza e fundamentais para a existência de vida digna nela. Queremos debater na nossa cidade como podemos cuidar melhor da nossa Casa Comum, a Pachamama, o nosso Planeta Terra. Portanto, propor uma mobilização ativa e construir um ambientalismo popular deve ser também uma das ações a serem desenvolvidas pela Casa Viva.
Um compromisso com a cidade
A Casa Viva se coloca a serviço da cidade de Contagem. Pensar e refletir a partir da história dessa cidade operária, símbolo do desenvolvimento industrial de Minas e que hoje se conecta com seu potencial ambiental. Elaborar sobre a cultura política local, fortemente impactada pela trajetória dos governos petistas sob a liderança de Marília Campos. Através da articulação entre diferentes setores da sociedade, a Casa Viva busca fortalecer a luta por direitos sociais, urbanos, culturais e ambientais. Seu objetivo é contribuir para a construção de uma cidade mais justa, desenvolvida, democrática, viva, verde e feliz.
Um convite à participação
A Casa Viva é um projeto em constante construção compartilhada e colaborativa. Sua vitalidade depende da participação ativa de todos aqueles que acreditam na possibilidade de uma outra sociedade possível, que tenha na esperança e na alegria, suas perspectivas para um futuro melhor. É um convite à colaboração, ao diálogo e à construção coletiva de um projeto de transformação social.
Contagem precisa da Casa Viva. A Casa Viva precisa de Contagem. E nós, precisamos de você! Junte-se a nós!
NOTA
[1] Segundo levantamento recente, 7 em cada 10 mulheres são mães no Brasil. Destas, 50% são mães solo. Ver:https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2023/05/7-em-cada-10-mulheres-sao-maes-no-brasil-metade-e-solo.shtml.
Referências Bibliográficas
DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo, 2016.
HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Petrópolis, RJ : Vozes, 2015.
GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982, 4ª ed.
PELOSO, Ranulfo. Trabalho de base:seleção de roteiros organizados pelo Cepis. São Paulo: Expressão Popular, 2012.
Commentaires